Um dia tudo para. Um dia nada mais faz sentido. A vida passa a ser um grande fardo, dos mais pesados de todos. Um momento basta. Um pulo, uma corda, um tiro, drogas, o fim. Poucas pessoas têm consciência disso mas pode-se afirmar que vivemos em uma sociedade suicida. Parece um grande exagero mas não é. A OMS estima que 1 milhão de pessoas se mata por ano no mundo. As estatísticas nos mostram isso. Está aí, online, para todo mundo ver. No prazo de 10 anos (2000-2010), conforme levantamento publicado do DATASUS, 92.319 mortes por suicídio aconteceram no nosso país. É demais e alarmante! Lembrando que muitos suicídios são subnotificados e não entram na conta por diversos motivos como preconceito, questões religiosas, problemas para receber seguros de vida etc.
Sabe-se que o suicídio está extremamente relacionado com transtornos psico-afetivos, sendo depressão e transtorno bipolar os que mais causam este tipo de morte. A ignorância e a desinformação estão associadas a isso também. “Quem quer se matar vai e se mata!” ouvimos isso muitas vezes como um “mea culpa” às avessas. Um misto de desprezo e arrogância para aquele que sofre e que tenta se matar algumas vezes ou que simplesmente pensa nisso. Ouvimos isso de quem não poderia ou não deveria pensar assim, ouvimos isso de médicos!
Tive 3 amigos que cometeram suicídio. Um amigo de escola e dois colegas médicos. Por isso resolvi escrever e chamar a atenção de nossos colegas sobre esse tema tão pouco visitado, exceto entre os que trabalham com saúde mental. Fui ler sobre suicídio entre médicos e vi que é um grande problema do nosso dia-dia. Segundo um levantamento feito pelo CREMESP (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) de 2000-2009 o suicídio foi a segunda maior causa de mortes entre médicos, perdendo apenas para acidentes automobilísticos.
A primeira imagem que vem à cabeça é do médico onipotente, sábio e resolutivo. Este médico não tem o direito de ficar doente. Nunca! Os pacientes, muitos deles pensam isso, que não ficamos doentes, que não sofremos, que sabemos toda medicina, absolutamente toda. Muitos colegas também querem acreditar neste mito e as portas se abrem para várias doenças. Sabemos que a realidade é muito, muito diferente, especialmente aqui em nosso país. Mais uma vez as estatísticas nos mostram que a taxa de suicídio entre médicos é muito mais alta do que na população em geral. Lamentável.
Somos exigidos ao máximo. Nos exigimos ao máximo. Lidamos com a vida e a morte e este tênue limiar diariamente. Trabalhamos demais. Estudamos demais desde a época do vestibular. Sabemos muito de muita coisa, muitas patologias e ignoramos nós mesmos. Nosso corpo sofre. Noites mal dormidas, plantões de fim de semana, má alimentação. Poucos exercícios físicos (de forma geral), automedicação e uma grande carga de stress que isso tudo traz.
Ficamos doentes sim mas dificilmente consultamos outro colega. Nos automedicamos, abusamos de álcool e drogas como válvulas de escape. Assim vai, o raciocínio segue: médicos não ficam doentes, não têm doenças orgânicas, que dirá transtornos psiquiátricos! Não, médicos não podem ter isso. Ledo engano.
Aí que está. Os transtornos afetivos (do humor) por essas e outras razões enumeradas têm altíssima prevalência entre médicos. É fato! Mas fingimos não enxergar isso também! Preconceito, onipotência. Um médico não pode jamais dar sinais de fraqueza, principalmente entre os seus pares. Como disse, uma grande expectativa nos cerca e nos é imposta. Somos super-humanos afinal de contas, no exato instante em que o diploma é colocado em nossas mãos. Não usamos jaleco! Usamos capas!
A dureza da realidade da vida e a implacabilidade da rotina logo nos trazem de volta desta ilusão. Somos pessoas. Somos homens e mulheres iguais a qualquer outro. Somos jovens e velhos. Saudáveis ou não. Músculos, tendões, nervos, coração. Nada muda quando se acrescenta o “DR” na frente do nome. Com isso temos plena noção de como somos falíveis. Não conseguimos resolver todos os problemas mas nos cobramos por isso. Um tapa na cara da prática diária sempre nos diz “Ei, você faz o que pode. Você não é um Deus!” Mas isso não é aceito facilmente. Então, adoecemos.
Um dado é bem interessante e que embasa bem isso. As mulheres médicas cometem mais suicídio do que as não médicas. Mesmos motivos e acrescente aí a cobrança social de ser mãe e cuidar dos afazeres domésticos. Nossas doutoras adoecem também. Nossas doutoras também abusam de drogas, se automedicam. Nossas doutoras também cometem suicídio.
Médicos têm família também. Não moram nos hospitais ou clínicas. Nossas famílias são deixadas de lado. Não são prioridade. Temos que salvar vidas! O que pode ser mais importante que isto? Uma nova carga de frustrações chega como uma onda. Nos cobramos por não estarmos mais presentes. Nossos familiares cobram nossa presença. Nossos filhos relegados a um segundo plano.
Somando tudo isso, fica difícil manter a sanidade. Alguns de nós procuram ajuda, fazem psicanálise, tomam medicações. Não o bastante para evitar que muitos de nós, doutores infalíveis , acabem exterminando a própria vida causando muito sofrimento nas famílias e no ambiente de trabalho.
Precisamos estar atentos a isso. Em relação à nossa saúde e à saúde de nossos amigos e colegas. Uma palavra amiga. Uma simples pergunta que demonstre real interesse pode reverter um quadro grave. Podemos resgatá-los. Orientá-los a procurar ajuda com a maior discrição. Podemos, sobretudo, aprender a pedir ajuda! Admitir que somos seres vivos que adoecem e muito. Podemos fazer uma enorme diferença sem dúvida.
Encerro aqui recomendando estes sites de onde tirei valiosas informações para escrever este texto.
Suicídio Nunca
Suicídio a violência auto-inflingida
Suicídio entre médicos e estudantes de medicina
CVV - GASSA Grupo de Apoio aos Sobreviventes de Suicídio Anônimo