Há poucos dias foi veiculada uma campanha do Governo Federal informando que existem posturas preconceituosas no Sistema Único de Saúde (SUS). A campanha foi trabalhada com vídeos na TV aberta e com postagens nas mídias da internet. Afirma-se que ocorrem preconceitos raciais no SUS embora, de forma oportunista e hipócrita, não se tenha dado “o nome aos bois”. Quem seriam os agentes desses supostos atos preconceituosos? A referida campanha é repleta de equívocos e precisei escrever sobre ela por dois motivos: o primeiro é para deixar as coisas mais claras para aqueles que não sabem e não convivem com a entristecida e lamentável realidade do SUS. Já o segundo será uma luta por justiça sendo justo comigo e com os meus colegas médicos.
O SUS, atualmente, sucumbe e lateja de dor. Os seus diversos equipamentos de saúde e procedimentos não conseguem atender à população que, majoritariamente, é sofrida e necessita desta assistência. Os investimentos destinados a ele são deficitários e os desvios corruptos do pouco que lhe é destinado é uma regra recorrente. A estrutura dos serviços de saúde está sucateada e os salários dos profissionais de saúde são, muitas vezes, inaceitáveis e vergonhosos. Não há estímulo àqueles que se destinam a trabalhar neste sistema. Não há planos de carreira e, via de regra, também não há respeito para quem trabalha, arduamente, no SUS.
A realidade é simples e salta aos olhos de todos e, para isto, basta você ir, neste exato momento, a alguma emergência ou a outra unidade de saúde que presta assistência pelo SUS. Isto é público e notório. Isto acontece de forma escancarada basta não se fazer de cego. O SUS não é o problema, mas se torna um problema a partir do momento que os agentes políticos fazem lambanças na sua gestão. Por exemplo, ao invés de discutir e resolver estes pontos que citei, levanta-se uma campanha que deixa, praticamente, explícito que os profissionais de saúde do SUS, sobretudo os médicos, atuam com posturas preconceituosas. Respeite-me! Respeite-nos! O que os senhores do Governo Federal pensam que estão fazendo? Aonde os senhores querem chegar? Não só os médicos, mas a esmagadora maioria dos profissionais de saúde que trabalham no SUS o faz com louvor. Todos trabalham e faz a diferença mesmo sem um salário justo, sem uma estrutura de trabalho adequada e sem a devida valorização. Já está claro que os vilões do Sistema Único de Saúde são outros – VOCÊS. Isto mesmo a engrenagem não roda e não funciona por causa de outros protagonistas e não por causa de nós, médicos e outros profissionais de saúde. Pelo contrário, se não fosse o nosso envolvimento com a causa da saúde pública, certamente, o caos já estaria instituído. Somos nós os guerreiros infantes que protegem a saúde deste povo pobre e dessa população que está desassistida em face dos desatinos políticos de vocês.
Portanto, há uma inversão de perspectiva numa tentativa de dizer que a culpa está em outros – possivelmente, os médicos. Isto é covarde e projetivo. Atendemos a todos independente de raça, credo, cor ou ideologia política. Criem vergonha nas suas caras e aponte o dedo para si. Façam uma autocrítica e parem de tentar jogar o povo contra nós. Inclusive, ressalto que não conseguirão isto, pois, no fundo, eles sabem quem está ajudando-os no momento da dor. Seria isto uma represália? Seria isto uma resposta pelo posicionamento da classe médica durante a última eleição? Começa agora um confronto onde, os médicos e a medicina, são atacados? Se assim for, resta-me lamentar, pois agir de forma propositada para desqualificar, erroneamente, uma classe é um ato perverso e grave.
Permitam-me salientar outro ponto de destaque: parece que o assessoramento em política social e em dados de saúde do Governo Federal não é um dos mais balizados. Pois, não é admissível construir uma campanha contra o preconceito, que tem como base filosófica o ódio e a não aceitação, alimentando, justamente, o ódio e a não aceitação. Esta campanha gera a seguinte reflexão: “os médicos e os profissionais de saúde atendem melhor os brancos e aqueles de olhos claros”. Francamente, que bizarro e raivoso. Quanta ira destilada em tal construção!
Certamente, os assessores desta campanha, possivelmente, não são atendidos pelo SUS ou nunca visitaram uma unidade pública de saúde lotada. Eles vivem noutro planeta ou não entendem patavina daquilo se propõem a trabalhar. Por fim, outro questionamento que não pode calar: a causa dos piores indicadores de saúde na população pobre é devido ao racismo dos profissionais de saúde ou devido aos graves problemas socioeconômicos vivenciados por esta população desprotegida?
Em meio aos escândalos de corrupção e as dificuldades atuais da nação, criam-se novas bruxas medievais – os médicos. Pois, como neste período histórico, será mais fácil purgar e exorcizar o mal. Basta queimá-los em fogueiras inquisitórias, visto que, esses seres malévolos e preconceituosos não têm salvação e, quem sabe, somente o divino poderá purificá-los.