Concebido com lastro nos princípios doutrinários (universalidade, integralidade e equidade) e organizacionais (descentralização, regionalização e hierarquização), com controle social por meio dos conselhos de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) padece do compromisso do Estado brasileiro em cumprir o que determina a Carta Magna de 1988 (dever do Estado). É um sistema perfeito, modelo para qualquer sociedade que pretenda ser justa para com quem dela faça parte. Entretanto, no Brasil, onde se pretende exterminar a pobreza, é lamentável a constatação da penúria em que foi abandonado o SUS.
Defender o SUS de dentro dos bem montados gabinetes, afastado do calor das mal preparadas unidades de atendimento é um posicionamento poético, lírico, ideológico, altruísta. Entretanto, o que o SUS precisa é de decisão política para o cumprimento das metas das inúmeras portarias, editadas quase que diariamente, que não conseguem cumprir o seu desiderato.
Passados quase 22 anos da implantação do SUS, a União não definiu a sua participação no financiamento da saúde. Pior, muito pior, escamoteou o que vinha sendo intensamente trabalhado: a aprovação da Lei Complementar nº 141/12, que veio regulamentar a Emenda à Constituição de nº 29, tramitou no Congresso Nacional por longos 11 anos, vindo "morrer na praia" ante a articulação do Planalto com o Senado. A EC29 foi finalmente aprovada e desfigurada, pois o texto aprovado não é compatível com as necessidades do sistema de saúde.
Seguindo essa mesma lógica de estabelecer a redução das ações do Estado, o governo federal aplica a Medida Provisória 568/12, reduzindo o vencimento dos médicos da rede federal. Ao lado disso, anuncia a criação de cerca de 2,5 mil vagas de Medicina em universidades federais e particulares. Na Bahia serão mais 360 vagas. E propõe também a revalidação automática dos diplomas emitidos por faculdades estrangeiras.
O fenômeno não é exclusivo da Medicina, mas no caso preocupa profundamente, porque serão formadas gerações de médicos que deverão cuidar da saúde e da vida dos baianos. Alguns deles podem não ter uma formação em escola qualificada e capaz de dotar seus egressos de ensinamentos técnicos e humanísticos. Os médicos importados e os formados em escolas de qualidade duvidosa poderão servir aos propósitos governamentais até descobrirem as vantagens do setor privado. Daí a tendência será o aumento ainda maior das disparidades do exercício da Medicina no âmbito público e privado.
A Bahia possui o pior índice, em relação aos demais estados, quando se compara a quantidade de postos de trabalhos ocupados em estabelecimentos privados e no setor público. Usuários do SUS no estado, que correspondem à maioria da população, encontram uma quantidade de postos médicos 12,5 vezes menor do que pacientes da assistência privada. Isso é resultado da baixa qualidade dos postos de trabalho do SUS e da perversa retribuição estatal com o salário base do médico para início de carreira, de R$ 817,11. Com o acréscimo da gratificação pode chegar a pouco mais de R$ 2 mil.
Entretanto, os números oficiais do governo do estado são superdimensionados. Daí que se permanecer a política de desvalorização do médico no setor público e a avalanche de escolas médicas criadas sem a mínima condição de funcionamento, a tendência natural é ampliar ainda mais esta desigualdade.
Financiamento insuficiente para a sua manutenção, excesso de burocracia, implementação de medidas demagógicas e desestímulo à adesão dos profissionais médicos, deixa aos brasileiros uma constatação estarrecedora. A agenda política dos governantes não prioriza o Sistema Único de Saúde.