A população brasileira convive, infelizmente, com a ineficiência do seu Sistema Único de Saúde (SUS). Dentre suas limitações, destaca-se a dificuldade de acesso e resolubilidade, demonstrada tanto nas situações mais urgentes, com falta crônica de vagas, como também nas cirurgias eletivas, cuja realização encontra muitas vezes demora inaceitável em filas de espera.
Conforme recente análise do CFM, estima-se que cerca de 900 mil procedimentos cirúrgicos aguardam a sua realização, já com diagnóstico e indicação médica. São números impressionantes, que representam aproximadamente a metade de todo o volume de cirurgias na rede pública em 2016.
O estudo constatou pelo menos 750 solicitações de cirurgias eletivas ainda pendentes na lista de regulação dos estados e capitais há mais de 10 anos. Vale salientar que estes resultados têm como fonte informações oficiais de 16 estados e 10 capitais, e são lamentáveis as negativas de resposta por gestores, o que contribui para a falta de transparência da dimensão deste grave problema na saúde pública do País.
A dificuldade de acesso do cidadão ao sistema público de saúde se inicia na porta de entrada do SUS, com a dificuldade de agendamento; prossegue no acesso às especiali dades médicas; e, por fim, após o diagnóstico e sua indicação de tratamento, culmina na lista de espera, que pode persistir por anos.
Como exemplos de referência, Portugal e Reino Unido têm resultados muito diferentes do Brasil. Em Portugal foi adotada, em 2004, a inclusão de pacientes em uma lista única, pública, sendo 270 dias o tempo máximo de espera para cirurgia. No Reino Unido, o prazo máximo é de 18 semanas, respeitado em 90% dos casos.
O SUS é um sistema de saúde universal, financiado por impostos e caracterizado pela pretensa equidade no acesso à saúde dos cidadãos e por serviços prestados em uma linha de cuidados com integralidade, na perspectiva da resolubilidade de problemas. Na Europa, países que instituíram sistemas de saúde universais se apoiam em três pilares: sustentabilidade financeira, acesso universal para todos os cidadãos e qualidade nos serviços prestados, com análise de resultados.
No Brasil, a Constituição de 1988 foi ainda além quando previu a gratuidade irrestrita e a descentralização da gestão em todos os municípios. Entretanto, o cenário real do SUS para os brasileiros é muito diferente do formato constitucional.
A União centraliza os recursos, mas descentraliza deveres sociais e progressivamente se desonera, na medida em que transfere a estados e municípios ônus cada vez maiores. Trata-se de um perigoso jogo de transferência de responsabilidades, com impacto negativo entre os municípios, o que se traduz nas centenas de ambulâncias transportando pacientes para cidades com serviços médicos de referência, mas sem qualquer organização hierárquica.
É preciso afirmar, nesse sentido, que os pactos intermunicipais não devem ficar na retórica e a saúde necessita ser política de Estado, não de governo. O planejamento de políticas públicas na área deve se basear em dados epidemiológicos, concentrando investimentos em redes organizadas que abarquem a atenção básica aos serviços especializados, incluindo os hospitalares.
Temos testemunhado a diminuição sistemática de milhares de leitos; hospitais endividados, sobrevivendo com o custo adicional de juros e que significam, objetivamente, transferência de recursos do SUS ao sistema bancário; sem falar nos municípios que desativam serviços próprios e transferem responsabilidade aos municípios vizinhos, num verdadeiro "salve-se quem puder", onde o maior prejudicado é o cidadão, que necessita de serviços de qualidade.
Por fim, o indigno tempo de espera para cirurgias eletivas é também consequência de problemas de gestão, seja por conta da incapacidade de suprir a demanda, seja pela falta de integração entre as redes de assistência em seus diferentes níveis de complexidade.
A ineficiência é a tradução do subfinanciamento na alocação de recursos à saúde pública, da falta de estrutura organizada em redes de atenção e da desvalorização dos profissionais da saúde que prestam serviços no SUS e na rede privada.
Com respeito a todas as outras profissões vinculadas à saúde, são sobretudo os médicos e as médicas que não podem ser responsabilizadas por questões que não dependem de sua atuação profissional. A responsabilidade das filas é dos gestores, e as vítimas são os cidadãos, cujos direitos sociais são sistematicamente violados pelo Estado brasileiro.
*Opinião do conselheiro publicada na edição nº 272 do Jornal Medicina. Acesse aqui a publicação.