“Para todo problema complexo existe uma solução simples e errada” (George Bernard Shaw). Seria fácil dizer que a formação de emergencistas resolveria o problema das emergências brasileiras, mas uma visão ampla e racional desta questão mostra a necessidade de várias frentes de trabalho em diferentes setores, ao longo de vários anos, para termos uma perspectiva mais favorável.
Nas emergências de todo o mundo o problema é a superlotação. Ela resulta de uma combinação de motivos. A falta de controle no acesso permite a entrada de um número excessivo de usuários e o referenciamento deficiente faz com que a maioria dos atendimentos não seja uma emergência real. A maioria das fontes pagadoras franquia o acesso aos prontos-socorros e dificulta o agendamento de consultas ambulatoriais. Os recursos materiais e humanos existentes não estão ajustados à demanda volumosa e capacitados para o atendimento à grande diversidade de casos – leves e graves. A grande quantidade de atendimentos de ocorrências simples, que deveria ser resolvida nos consultórios, prejudica a assistência de casos graves que precisam de cuidados complexos e especializados. Nos serviços de emergência do Brasil encontramos profissionais jovens, com menor experiência e baixo grau de capacidade técnica escalados para trabalhar devido ao seu patamar de remuneração mais baixo. A tecnologia instalada e a capacidade de realizar todos os procedimentos e exames complementares da especialidade são muito limitadas na maioria dos postos de atendimento. No final do processo, quem precisa de hospitalização permanece na emergência diante da indisponibilidade de leitos; ocupando as áreas restritas destinadas à emergência e transformando-as em enfermarias. Como podemos constatar acima, existem problemas na entrada, no meio e na saída do sistema.
“A realidade só brindará os produtos economicamente viáveis” (Robert Norton Noyce). Os entendimentos econômicos da saúde, da medicina de emergência e do trabalho especializado precisam estar alinhados para que seja possível criar o produto – emergencista. As especialidades foram criadas na medida em que os conhecimentos e recursos tornaram-se tão volumosos que não eram mais de domínio geral entre os profissionais de saúde. No entanto, este não é o único requisito. A atividade profissional precisa atender alguma demanda da sociedade e também necessita de financiamento. Em outras palavras, uma atividade especializada deve resolver um problema a um custo compatível, dentro da percepção e valores culturais predominantes. Sem um modelo comercial de atuação a especialidade fica restrita ao ambiente acadêmico, não se desdobrando como um benefício direto à população. A percepção social de saúde como um bem maior tem feito avanços, mas ela ainda não promoveu os ajustes contábeis que demonstrem tal importância nos diferentes processos da assistência de emergência, domiciliar, ambulatorial, hospitalar e de reabilitação. Numa reunião recente das principais emergências do país, havia um consenso: a maioria dos atendimentos não são emergências e sim conveniências do usuário e das instituições. Mesmo em serviços de referência, somente 1% necessitam da sala de ressuscitação, cerca de 20% são urgências relativas e todos os demais poderiam ser atendidos em outro tipo de instalação. Dados recentes da experiência mundial mostram que a condução inadequada e a demora na admissão hospitalar produzem maiores taxas de complicação e tempo de internação prolongado.
Por enquanto, estamos assim. Existe um grande volume de conhecimento especializado que pode ser aplicado em benefício da sociedade, porém não existe o alinhamento econômico que incentive a sua prática de modo viável. Na ausência de um especialista capacitado e dedicado para atender os 20% de pacientes com emergências reais, os hospitais contratam diversos especialistas de área clínica e cirúrgica que ficam ociosos ao atender um número pequeno de casos complexos ou descontentes quando direcionados ao atendimento volumoso de casos comuns. Esta prática tem custo progressivamente maior e eficiência reconhecidamente limitada. Analisamos 120.000 atendimentos em nosso serviço de emergência e constatamos que um processo de capacitação de emergencistas poderia extinguir a demanda de especialistas clínicos e reduzir a 1/3 a necessidade de cirurgiões presentes no plantão. Existem diversas iniciativas para a criação da especialidade e do especialista em medicina de emergência no Brasil. Em novembro de 2011, em uma reunião conjunta do Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira, Comissão Nacional de Residência Médica e associações representativas da especialidade foi dado um passo importante ao reconhecer a Medicina de Urgência / Emergência como uma especialidade e não como uma área de atuação clínica ou cirúrgica. Todas estas organizações estão comprometidas em criar os ambientes de treinamento e certificação para reconhecimento de instituições formadoras e especialistas.
No momento atual, podemos identificar a percepção da necessidade do emergencista em vários participantes do sistema. Os gestores da saúde têm um imenso trabalho em paralelo aos profissionais da assistência direta. Criar um modelo que direcione casos de baixa complexidade e resolução rápida para os consultórios e negociar seu financiamento é um desafio imediato. Não basta redirecionar, é necessário garantir a mesma rapidez de atendimento das emergências nos ambulatórios, com custo mais baixo. Desenvolver comissões para gerenciar o fluxo dos pacientes, aumentar a taxa de giro dos leitos e garantir a disponibilidade regular e previsível de leitos para pacientes da emergência é outra tarefa a ser implantada. Proporcionar os componentes para um ambiente favorável ao especialista: acreditamos que estas sejam as principais emergências para os emergencistas.