SHIRLEY PACELLI
SHIRLEY PACELLI
08/07/2013
11:46
Da sabedoria popular à pesquisa
Unicamp desenvolve medicamento a partir do crajiru, planta encontrada eutilizada para fins medicinais em todo o país. O novo produto prometebeneficiar diabéticos com ulcerações e pacientes imunodeprimidos

Belo Horizonte — No Nordeste, chá contra cólicas e tratamento demicoses. Para os índios da Amazônia, tinta para a pele. Em Passos de Minas(MG), banho de assento e tratamento contra picada de insetos. A sabedoriapopular já utiliza a Arrabidaea chica verlot, conhecida popularmente comocrajiru. Ao lado do alho, do caju e da carqueja, a planta está na relaçãonacional de espécies medicinais de interesse do Sistema Único de Saúde (SUS),que reúne cerca de 70 itens. Em 2003, um projeto de uma empresa de cosméticosresolveu investigar o crajiru para a produção de batons. O estudo, realizadopor pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acaboulevando a outras descobertas, como a potencialidade de se criar outromedicamento fitoterápico para cicatrização de lesões de pele e mucosa.

O novo produto não deve ser apenas mais um no mercado. Osestudos comprovam que ele tem poder cicatrizante muito eficiente e pode atenderpacientes diabéticos com ulcerações e imunodeprimidos (pessoas cujo sistemaimunológico está enfraquecido). “O crajiru tem baixa toxicidade e eficiênciaalta”, afirma Mary Ann Foglio, coordenadora do projeto e pesquisadora daDivisão de Fitoquímica do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas,Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp.

No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes(SBD), há cerca de 12 milhões de pessoas acometidas com esse mal. AdrianaBosco, presidente da SBD Regional Minas Gerais e coordenadora do Ambulatório doDiabetes tipo 2 da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, explica que,quando a doença não é controlada, com o tempo, a pessoa perde a sensibilidadedos membros inferiores e qualquer lesão pode virar uma úlcera. Há vários medicamentospara tratar os ferimentos em diabéticos, como pomadas e géis específicos.

O SUS fornece alguns deles. “O ideal é sempre a prevenção,porque depois é mais difícil de controlar. Mas tudo que vem para contribuirpara a cura desse mal é muito bem-vindo. Ainda mais se a matéria-prima ébrasileira”, afirma Adriana.
Apesar de ser encontrada em todo o país, a Arrabidaea chicaverlot é mais comum na Amazônia, onde os indígenas também a utilizam paracombater infecções fúngicas. Mary Ann Foglio conta que foi feito um estudo comas populações para saber qual tipo era o mais adequado para o fim pretendido.“Determinamos as variedades e pesquisamos para montar o conteúdo químico deacordo com as estações e o efeito farmacológico. Quanto mais rico em antocianosídeos— substâncias de origem vegetal que demonstram uma poderosa atividadeantioxidante, capacidade de promover a biossíntese do colágeno e impedir suadegradação —, maior o poder de cicatrização”, diz.

Foglio esclarece que a equipe, de cerca de 20 pessoas, vaicomeçar a etapa dos estudos clínicos depois de ter passado pela pesquisa comanimais. Várias teses sobre a planta estão em andamento. “Ainda leva um tempoaté o medicamento chegar ao mercado. Mesmo porque temos que encontrar empresasinteressadas em produzi-lo”, explica. Além desse entrave, há desafios a seremenfrentados, como garantir uma coloração esteticamente melhor, pois o produtodeixa a pele avermelhada (parecendo sangue), e descobrir uma forma para que ocrajiru não se degrade facilmente, já que ele é um composto muito sensível aosefeitos do ar. É necessário ainda descobrir por quanto tempo o medicamento ficana corrente sanguínea e o tempo que leva para sair do corpo.

Patentes
A pesquisadora da Unicamp foi orientadora da dissertação de mestrado sobre ocrajiru de Ilza Maria de Oliveira Sousa, que avaliou a estabilidade do extratoseco e criou formulações semissólidas com os extratos padronizados a partir dasfolhas da espécie. O trabalho gerou o depósito de uma patente em relação àstécnicas para produção de nanopartículas de longa duração. Há ainda outropedido de patente para os processos para microencapsulação do extrato daplanta.

Ilza Sousa explica que se decidiu pelo encapsulamento paraaumentar a vida útil do composto. Ela produziu microcápsulas com três materiaisdiferentes: goma de cajueiro, goma arábica e mistura de goma arábica emaltodextrina. Essa última perdeu a coloração depois de 30 dias dearmazenamento, mas com outra matriz se manteve por seis meses. Depois dessestestes, ela passou a produzir cremes e diferentes tipos de géis, atestando queo de carbopol e o natrosol reduziram de 70% a 80% a área cutânea ulcerada.Enquanto o grupo de controle reduziu apenas 37%.

Ela conta que ainda não há medicamento natural para cicatrizaçãode pacientes imunodeprimidos. “Trabalhar nesse projeto é uma satisfação pessoalgrande, porque alcançamos o objetivo do grupo, que é a pesquisa de medicamentosde uso popular para doenças negligenciadas, aquelas que afetam a população maiscarente. Podemos incluí-lo, futuramente, no sistema público de saúde”, conta.

Trepadeira
O crajiru é uma espécie trepadeira encontrada em todo o território brasileiro,mas é mais comum na região amazônica. Algumas espécies do Sul do Brasil não têmo poder cicatrizante tão bom quanto o de outras regiões. Atribui-se à plantapropriedades terapêuticas para enfermidades da pele. O Centro de PesquisaAgroflorestal da Embrapa de Rondônia também informa sobre outros usosmedicinais, como em infecções de origem uterina e males do fígado, do estômagoe do intestino, além de serventia para leucemia e conjuntivite aguda.
 


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