A polêmica causada pelo parecer 39/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que trata sobre critérios da disponibilidade obstétrica, levanta cortina de fumaça e desvia o foco dos reais problemas envolvidos na questão. Na verdade, o que assistimos é um triste espetáculo onde os interesses das operadoras de plano de saúde são defendidos, inclusive com a ajuda de setores do governo, cabendo aos médicos e à população se contentar com o que sobra.
Na Obstetrícia, é evidente o desgaste causado pelas perdas acumuladas ao longo dos anos e pela completa falta de equilíbrio na relação entre médicos e planos de saúde. Os valores por consultas e procedimentos têm tido reajustes tímidos, quando são feitos. Em contrapartida, a lucratividade das empresas cresce ano a ano, tornando o setor um dos mais rentáveis da economia.
Os dados não nos deixam mentir. Levantamento realizado pela Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de São Paulo (Sogesp) feito junto a 44 operadoras de planos de saúde revela que elas pagam ao médico, em média, R$ 353,00 pela realização de um parto. Do total, 20 repassam de R$ 160,00 a R$ 300,00 pelo procedimento; outros 21, de R$ 304,00 a R$ 480,00; dois de R$ 528,00 a R$ 660,00; e apenas um o valor de R$ 1.181,40.
Pelo que foi demonstrado, a grande maioria dessas empresas paga ao médico menos que às equipes de gravação contratadas pelas famílias para registrar o parto. A responsabilidade e a disponibilidade recebem recompensa insuficiente, enquanto, por outro lado, a calculadora dos empresários registra continuamente os lucros obtidos com a prevalência dessa visão que privilegia os ganhos de mercado em detrimento da qualidade da assistência e da valorização dos profissionais.
Esta realidade torta, infelizmente, justifica a opção de centenas de colegas em abandonar a prática obstétrica. O fazem como reação à empáfia das operadoras e à indiferença com que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) trata o caso. Outra pesquisa recente, conduzida pelo Datafolha, denuncia a insatisfação em massa dos obstetras.
Sem remuneração e condições de trabalho adequadas, não há paixão que resista. O estudo mostra que 13% dos obstetras entrevistados decidiram abandonar a área, uma constatação séria, que deveria ser levada em conta pelos gestores públicos e privados pelas consequências severas que traz para a qualidade da assistência oferecida.
Com o parecer 39/2012, o CFM procurou contribuir para reduzir este desgaste. No entanto, distorções tendenciosas, que poluem o debate, exigem esclarecimento para afastar a falsa celeuma causada na imprensa, que só interessa aos empresários da saúde suplementar, ao transformar os médicos em vilões, ignorando-se a raiz do problema que gerou tal polêmica.
Para não incorrer no mesmo erro, optamos pelo didatismo. Em primeiro lugar, o parecer do CFM resulta de questionamento feito pela própria ANS, que detectou situações nas quais gestantes (usuárias de planos de saúde) pagavam às obstetras credenciados, que as acompanhavam no pré-natal, valores extras para que o parto fosse realizado por estes profissionais. A dúvida encaminhada foi: este acerto é ético ou não?
O grande mérito do parecer foi definir o caráter antiético dessa forma de recebimento. Ou seja, o honorário do médico não pode ser custeado parte pelo plano de saúde e parte pela paciente. O pagamento deve ter origem em apenas uma fonte. No caso, a mulher receberá um recibo do profissional, que poderá ser usado em pedido de ressarcimento junto à operadora ou para dedução no imposto de renda.
É bom ainda lembrar que a mulher que não optar por esse acompanhamento presencial – com pagamento à parte – poderá fazer todo o seu pré-natal com um médico e fazer o parto com outro, que será disponibilizado em hospital de referência indicado pelo plano de saúde. Esta possibilidade já estará coberta pelo valor pago por ela mensalmente.
Lembramos ainda que o parecer do CFM cumpre papel orientador ao indicar cenários de conforto ético e sugerir comportamentos para evitar transtornos futuros. O texto – sabiamente – libera médicos e pacientes para tomarem suas decisões, apenas inserindo neste contexto as regras do jogo.
Contudo, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) introduziu no último minuto elemento estranho, que ainda precisa ser objeto de análise criteriosa. Ao afirmar em nota que o médico deverá fazer novo contrato com a operadora se acolher a orientação do parecer do CFM, a ANS interfere negativamente nesta relação.
Em nossa avaliação, essa repactuação penalizará o médico ao definir que ele passará a atender todos os procedimentos da segmentação obstétrica descritos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. Em outras palavras, esse obstetra ficará refém de um acordo pelo qual será obrigado a estar disponível para o atendimento do parto em qualquer circunstância, faça chuva ou faça Sol, privando-o de seu direito constitucional de ir e vir.
Num contexto, de insatisfação com os valores de honorários e descrédito com as perspectivas profissionais, a ANS e as operadoras colocam os obstetras num campo nebuloso. Certamente, o impacto poderá ser sentido com o aumento abandono da área, inclusive por aqueles que ainda mantêm a esperança de mudanças positivas. Os prováveis problemas na cobertura assistencial causada pela queda no número de profissionais qualificados parecem ignorados.
São aspectos deste tipo que nos levam a recomendar muita cautela aos médicos e às pacientes ao analisar essa polêmica em torno do parecer 39/2012. Historicamente, as decisões tomadas na esfera da saúde suplementar têm prejudicado a estes dois grandes segmentos. Neste momento, no qual interesses midiáticos, econômicos e políticos estão em jogo, o bom senso pede que o tema seja devidamente dissecado para as decisões sejam as melhores.
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