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Carta do ex-Presidente da AMB ao Min. da Educação

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Curitiba, 17 de abril de 2015
 

Excelentíssimo senhor MINISTRO DA EDUCAÇÃO

"Há tantos burros mandando em homens de inteligência, que, às vezes, 
fico pensando se a BURRICE é uma CIÊNCIA". (Ruy Barbosa)


Caro Ministro  Renato Janine Ribeiro

O ensino médico em nosso país foi atacado fortemente pelos seus antecessores do MEC e pelo Ministro da Saúde. Como se não bastasse a existência de muitos cursos de medicina abaixo da crítica, merecendo, senão o fechamento, pelo menos, uma intervenção para a correção das inúmeras deficiências existentes, a Portaria ministerial n.543 de 4/9/2014 e o Edital de chamamento n.5 datado de 01/04/2015 selecionaram sessenta e um municípios para criarem seus cursos de medicina por meio da rede privada. Seria interessante V.Exa. conhecer a lista completa desses municípios.

Quem está mais interessado parece ser o ministro da Saúde Arthur Chioro cuja meta é abrir 11.447 mil vagas de graduação em medicina até 2017, e chegar a 600.000 médicos até 2026. Talvez pense em resolver o problema da saúde e do SUS, em especial,  nas cidades mais afetadas, formando médicos nessas regiões. Nem com a vinda absurda de 11.450 profissionais cubanos conseguiu-se o que queria.  Não se forma médico e “a toque de caixa” aumentando vagas ou criando novos cursos de medicina, como é o desejo dele. É preciso um projeto pedagógico sério, corpo docente qualificado, estrutura física adequada com respaldo de um hospital de ensino reconhecido pelo MEC.

Excelência, o Brasil está chegando a 204.000.000 de habitantes e tem 406.049 médicos ativos (1.14 médicos para cada 1.000 habitantes); 249 cursos de medicina, (uma escola para cada 82.319 habitantes), segundo país no “ranking” mundial, perdendo apenas para a Índia (381 cursos para uma população de 1.210.569.573 habitantes, ou seja, uma escola para cada 3.177.000 habitantes) o que significa cerca de quarenta vezes menos escolas de medicina que o Brasil!

O que vai acontecer com o ensino médico se essas  escolas médicas forem  implantadas de forma injustificáveis e atabalhoadas.  Saltaremos de 248 para 309 cursos de medicina. Imaginando que cada novo curso tenha em media 90 vagas, então mais 5.490 novos médicos serão adicionados aos atuais 22.595 formandos anuais, aumentando, assim, esse total para 28.085 novos médicos anualmente.

Onde serão encontrados tantos professores titulados (doutores ou mestres) e experientes?  Como serão os contratos desse corpo docente para os novos cursos? E os salários? Quem garantirá que esses profissionais não sejam explorados pela rede privada? Quais serão o método e o projeto pedagógico? Quem impedirá que se crie a figura do “professor itinerante” com dois ou mais empregos para sobreviver? E o mais grave: hoje já são muitos os cursos que não conseguem ou não querem dar o Internado de 5º e 6º anos e os acadêmicos são obrigados com autorização do MEC, a realizá-los em outras Escolas ou até mesmo em outros Estados, sem a garantia do acompanhamento por meio de um coordenador qualificado.

Sempre que posso transcrevo trecho do Parecer N. SR-78, de 1988, do então Consultor Geral da República Saulo Ramos: “A educação, direito de todos e dever do Estado, não pode ser transformada, sobretudo nos cursos superiores, em simulacro diplomado. A sociedade deseja médico que saiba medicina, que se tenha preparado cientificamente para cuidar da saúde do povo e que não seja, pela precariedade do ensino improvisado na industrialização de diplomas, uma ameaça à vida do paciente, assim como o advogado mal formado é ameaça ao patrimônio e à liberdade individual, e o engenheiro, sem curso sério, é candidato a construir obras que desabarão.”“.

O CREMESP tem feito anualmente um exame, não obrigatório, aos formandos em IES do Estado de São Paulo.  Em todos os exames foi  triste ver os resultados:  foram reprovados mais de  50% dos examinados, comprovando assim o despreparo desses futuros profissionais da medicina.

Por essa razão é urgente e imperioso que se crie, a exemplo da OAB, uma Lei que obrigue o recém-formado  prestar um exame de proficiência que permitirá exercer a profissão somente quando aprovado. Atualmente, seu registro no CRM Estadual é o que basta para trabalhar como médico. Assim é que hoje se distribui  incompetência,  irresponsabilidade e  descaso pela vida humana. Saulo Ramos nos alerta em seu parecer “O simples diploma não cumpre esta finalidade, antes, seria um estelionato contra a sociedade e uma grave lesão à teologia constitucional”.

Para não permitir o desabamento da estrutura do ensino brasileiro, com a criação de cursos de medicina sem os mínimos recursos, ou seja, sem hospital na região, sem corpo docente, sem estrutura mínima adequada. Por esses motivos é que apelamos a Vossa Excelência para que interfira nesse programa ainda em andamento, analisando a situação com uma visão diferente da simples análise documental, reinstituindo a visita in loco a infraestrutura local, a biblioteca, entrevistando o corpo docente, modificando o que mais entender necessário, evitando assim que o ensino da medicina seja completamente banalizado.

Permita-me uma sugestão construtiva e importante: que Vossa Excelência convoque os membros da Comissão de Especialistas do Ensino Médico do MEC, que era presidida pelo Prof. Dr. Adib Domingos Jatene, de saudosa memória, para uma reunião especial, onde poderá ouvir as opiniões de renomados e experientes professores de várias Universidades do país. Tenho a certeza de que será de muita utilidade para sua gestão frente ao MEC. ____________________________________________________________________________

Antonio Celso Nunes Nassif, 81, Doutor em medicina, professor Adjunto e Livre Docente da Universidade Federal do Paraná; foi Presidente da Associação Médica Brasileira (1987-1990 e 1995-1999); membro da Comissão de Especialistas do Ensino Médico do MEC. 


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